Em Busca das Causas Perdidas: Criminologia e Educação Sentimental
Emile
Durkheim (séc. XIX-XX) disse que o Direito era uma função da Solidariedade (A Divisão do Trabalho Social). Isto quer
dizer que não é a Solidariedade que depende do Direito, mas que o determina em
grau. Se se quiser definir solidariedade social não se passará de uma definição
muito abrangente, devido à plasticidade em cada juízo pessoal e de acordo com a
variância de cada caso ou ação de solidariedade. A variação é tão grande a cada
caso que apenas uma interpretação de
técnica social precipitada na consciência coletiva (educação) pode
estabelecer algo razoável neste caso.
Por
isso, Durkheim reflete que a solidariedade social deve ser analisada por seus
efeitos concretos. O Direito é uma função da solidariedade, diretamente proporcional
a ela. Onde existe maior coesão social, quer dizer, propensão e probabilidade
dos agentes sentirem afinidade e serem prestativos, definirem suas estratégias
de vida em função dos outros, maior, neste sentido, será a solidariedade e
menor o Direito, tanto em quantidade de instituições, institutos, leis e,
principalmente, quanto ao caráter punitivo-vingativo do mesmo. As sociedades pré-industriais eram assim,
segundo Durkheim, apresentavam uma intensidade coercitiva e uma coesão que
consente pouca liberdade; ele chamou a
este estágio social de Solidariedade Mecânica e viu aqui um Direito Repressivo
(Justiça Retributiva).
As
sociedades industriais, modernas, com sua concentração de tecnologia e
conhecimento científico, inauguraram outro tipo de coesão social, bipolar, coercitivo
na fábrica e no escritório, pelos regulamentos e pela dependência produtiva
especializada e sistêmica, menos coercitivo, segundo Durkheim, na vida privada
e no espaço público, onde o indivíduo sente o afrouxamento dos regulamentos,
sentindo-se mais livre. Neste caso, com relação às leis e demais instituições
jurídicas, devia-se observar um abrandamento da repressão do Direito. Este tipo
de solidariedade Durkheim denominou de Solidariedade
Orgânica com Justiça Restaurativa (Sacadura).
Contudo,
a arqueologia das sociedades primárias não demonstra que exista nelas um
Direito Repressivo, mas Retributivo com Justiça Restaurativa. Pierre Clastres
demonstra que nas sociedades primárias,
aborígenes, indígenas e tribais existe Solidariedade Mecânica, e que a coesão
social regula os comportamentos do grupo (Arqueologia da Violência; A
Sociedade Contra o Estado).
Outro
exemplo que parece desafiar as teses de Durkheim é o período helênico, que vai,
aproximadamente, do século V a. C. ao século II. Neste período a Filosofia
emprestava à educação um sentido de cidadania política que, se considerado o
Direito da época, não se vê nele o objetivo de truculência, vingança e
funcionalidade criminológica que caracterizam o Direito Repressivo (Foucault). Ou seja, mesmo nas sociedades com Estado
pode-se observar a restauração quanto aos sistemas de Justiça.
A
noção de poder, dominação e desigualdade política, pode completar as teses de
Durkheim. Muitos grupos humanos não industrializados usaram e usam a
coercitividade para impedir os comportamentos disruptivos: isto acontece quando
a aliança do coletivo prevalece sobre os mais fortes (Freud). Nestes casos o
Direito não se apresenta necessariamente com a função repressiva. De forma
indireta isto evita que um agente ou instituição adquira prestígio acima dos
demais e seja capaz de se impor à vontade coletiva. Mas quando essas sociedades
conhecem o poder das alianças inusitadas dos mais fortes (minoria) para
dominarem os mais fracos (maioria), o Direito tende a se exacerbar.
Na
civilização Ocidental, do tipo industrial e tecnológico a solidariedade enfraquece,
porque se se condiciona os indivíduos aos regulamentos empresariais, os ‘liberta’
fora da produção. Esta liberdade deveria rebelar as pessoas contra as
convenções, as leis, a fiscalização e vigilância, os aparelhos do Estado. Era
isto que Durkheim tinha em mente: esta recusa obrigaria o Direito à
contraprestação e a Justiça à restauração, mais do que à repressão e simples retribuição
do dano causado. Mas não é isso que acontece. As sociedades cibernéticas
transfiguram a percepção da realidade e das causas que a ela subjazem (Adorno).
As sociedades primárias, por exemplo, têm Direito, todavia, por não possuírem
uma trama de relações voltada ao poder de Um (ou uns poucos), não precisam de
complexos jurídicos sob tutela e em função do Estado. O Direito vive em função
dessa trama, nos espaços tricotados dessa malha. Cada malha possibilita um tipo
de Direito. Para que o Direito seja Restitutivo
é necessária educação, uma educação poética, política, cidadã, sentimental
(Aristóteles).
Hoje
a cultura não elimina mais a violência pelo Direito, reforma-a. Ao mesmo tempo,
o Direito e a Justiça nos aparecem, a cada vez que um ato violento é realizado
por alguém (todavia, não da mesma forma no caso de ‘alguns’!), como uma
instituição humana acima da própria cultura, do próprio trabalho, do próprio
mundo real e suas causas. A civilidade que Freud viu na cultura é a forma
possível de domesticar a violência, não de acabá-la, não porque não seja
possível, mas porque o jogo de poder o impede. Na história: religião x
guerreiro; aristocracia x povo; igreja x príncipes/reis; burgueses x
trabalhadores. Hoje a Biopolítica: Estado x cidadão. Mas só na Biopolítica o Crime cria uma Ciência!
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